Lei Simplificada

terça-feira, 25 de março de 2014

Precatórios judiciais II: o mercado paralelo



Conforme afirmamos no post anterior, o pagamento dos precatórios judiciais é muito demorado, e, em razão dessa demora, surgiu um mercado de compra e venda de precatórios. Há escritórios especializados em comprar precatórios e revendê-los com ágio para empresas que tem dívidas tributárias.

Exemplificando: a empresa Delta, que tem uma dívida de ICMS de 200 mil reais, procura o escritório Ágio e informa sua situação. O escritório Ágio procura então o Sr. Severino, policial aposentado que está esperando há quinze anos para receber um precatório de 200 mil reais decorrente de uma ação que moveu contra o Estado.

Então o escritório Ágio oferece ao Sr. Severino 40 mil reais pelo precatório – cerca de 20% do valor do precatório, devendo ser descontados daí os honorários do advogado do Sr. Severino -. Se o dono do precatório aceitar a proposta, eles – o escritório Ágio e o Sr. Severino - formalizam um contrato de cessão de crédito no tabelionato.

Daí por diante vai acontecer o seguinte:
a) O Sr. Severino vai receber 32 mil reais: 40 mil menos os 8 mil dos honorários de seu advogado - se o percentual for de 20% -;
b) O escritório Ágio vai vender esse precatório à empresa Delta por 80 mil reais;
c) A empresa Delta vai tentar obter judicialmente uma sentença que determine a compensação de seu débito com o seu crédito. Ou seja: se ela deve 200 mil reais ao Estado e tem, por conta do precatório que comprou, o direito de cobrar 200 mil reais do Estado, ela pode pedir o pagamento por compensação, de modo que ambos os créditos se anulem.

Ou seja: se a empresa tiver sucesso em seu pedido judicial de compensação, ela vai se livrar de uma dívida de 200 mil gastando pouco mais de 80 mil. Embora alguém possa considerar injusto, essa espécie de negócio é perfeitamente legal, desde que a pessoa que vende o precatório possa contratar livremente. Mas em alguns casos ocorre uma fraude, descrita no próximo post.

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Precatórios judiciais I: definições



Atenção: esse é o primeiro de uma série de posts onde explicaremos uma fraude que ocorre corriqueiramente em nosso País

Os precatórios judiciais são a forma de o Estado pagar as dívidas que possui em decorrência da perda de ações judiciais. O procedimento para se executar um crédito contra o Estado – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – é diferente do procedimento adequado para se executar um crédito contra uma pessoa física ou uma empresa.

Quando uma pessoa física ou empresa perde uma ação judicial e essa ação vai para a fase executiva – fase de cobrança -, são os bens da pessoa que respondem pelo débito. Ou seja: o juiz, a pedido do exequente/credor, determina que o Oficial de Justiça penhore bens do devedor. A seguir, os bens são levados a leilão e, do dinheiro arrecadado com o leilão, pagam-se o débito, as custas judiciais e os honorários devidos ao advogado do exeqüente – chamados honorários sucumbenciais -. Caso sobre algum valor após serem pagos todos esses encargos, o que sobra é devolvido ao devedor.

Só que quando o Estado perde uma ação judicial e esta, depois de esgotados todos os recursos, vai para a fase de cobrança, há um obstáculo: os bens públicos não são passíveis de penhora. E então, como é que se faz? Nesse caso, o juiz, a pedido do exequente, manda o Escrivão do cartório da vara onde atua enviar um ofício ao Tribunal, requerendo a expedição de um precatório judicial em favor do credor¹. Lá na Secretaria de Precatórios, esse pedido entra em uma fila em ordem cronológica e fica esperando a sua vez de ser pago.

A Fazenda Pública não paga os precatórios com a celeridade que deveria, afinal, por lei, os precatórios inscritos até a metade de 2014 – por exemplo – deveriam ser pagos até o fim de 2015. Mas não é isso o que acontece. Há precatórios que levam décadas para serem pagos.

Afinal, esses pagamentos dependem do valor destinado a eles na lei orçamentária e, para os administradores públicos, fazer asfalto de baixa qualidade dá mais voto do que pagar precatórios. Por conta dessa demora, criou-se um mercado de compra e venda de precatórios, cujos procedimentos mencionaremos no próximo post.
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¹ - Se o valor executado contra a Fazenda Pública não excede um certo limite, a execução se dá por RPV (requisição de pequeno valor), e não por precatório.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Dano moral puro: desnecessidade de comprovação do sofrimento



Sempre que uma pessoa alega, em um processo, que teve dano moral em decorrência de um ato ilícito, há uma dificuldade para se fazer a prova desse dano moral, afinal, como comprovar, sem nenhuma margem à dúvida, a existência ou inexistência de um sofrimento? Como avaliar com precisão a intensidade desse sofrimento? Afinal, as pessoas reagem de forma diferente aos mesmos fatos.

Para contornar esse problema, uma parte dos nossos juristas adotou o posicionamento de que, se houve alguma ofensa à honra objetiva de alguém, houve dano moral. Esse é o chamado dano moral puro. Mas o que é honra objetiva? Ora, honra objetiva nada mais é do que o nome, a imagem, a reputação e o crédito que alguém possui. Se algum desses itens foi prejudicado por algum ato ilícito, presume-se que a pessoa sofreu em decorrência disso.

Exemplificando: se alguém teve seu nome inscrito indevidamente nos mecanismos de proteção ao crédito, entende-se que há dano moral, independentemente de se provar ou não que a pessoa ficou deprimida em decorrência disso.

Ora, sem a aceitação da honra objetiva, não seria possível que uma pessoa jurídica – uma empresa, por exemplo - ajuizasse ação contra alguém requerendo ao juiz que condenasse o réu ao pagamento de indenização por danos morais. Afinal, a existência de uma pessoa jurídica é uma ficção legal. Mas apesar disso uma empresa tem uma imagem e uma reputação a zelar, e, se tais valores forem prejudicados, entende-se que foram causados danos morais à empresa.

Portanto, o reconhecimento do conceito de dano moral puro - segundo o qual, uma vez afetada a honra objetiva de alguém, houve dano moral, sendo desnecessário comprovar se houve ou não sofrimento em decorrência do ato ilícito - é um grande avanço da doutrina e da jurisprudência nacionais .

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sábado, 22 de março de 2014

Lealdade entre cliente e advogado: outra dica para evitar que seu advogado prejudique você



Em um post anterior – íntegra aqui – nós demos uma dica de como evitar que o seu advogado tenha a oportunidade de te prejudicar. Mas pode surgir uma dúvida: e se você já assinou uma procuração dando ao advogado poderes para receber e dar quitação, o que fazer?

Bem, a dica de hoje só deve ser utilizada se você tiver motivos para acreditar que o processo já acabou e o teu advogado recebeu o $ e não te repassou. Por exemplo: o processo já iniciou há uns cinco anos e nada de resultado. Ou então o advogado te chama no escritório e diz mais ou menos o seguinte: “olha, nós pedimos 100 mil mas o juiz só deu 50”.

Antes de mais nada é importante esclarecer que a simples demora do processo ou uma sentença que não te dá tudo o que foi pedido são muito mais comuns do que se imagina, e não são uma prova da desonestidade do teu advogado. Mas, se você ficar desconfiado, faça o seguinte: ao menos uma vez por mês, vá ao cartório da vara onde o teu processo está tramitando – pegue o n.º do processo com o teu advogado -, e dê uma olhada nos autos.

O leitor pode estar se perguntando: mas a parte pode olhar os autos no cartório? Sim, a parte pode ter acesso aos autos, como decorrência do princípio da publicidade – que é um princípio do direito processual -.

Há processos em que há segredo de justiça – nas ações que envolvem direito de família – separação, divórcio, litígio pela guarda de filhos - e nas ações criminais, cujo acesso é restrito ao réu, à vítima e aos respectivos procuradores, além do Ministério Público -. Então, mesmo nas ações com segredo de justiça, a parte pode olhar os autos em cartório.

Se você olhar os autos e não compreender, chame um advogado da tua confiança para examinar o processo para você – ele poderá te cobrar por esse serviço -. Se houver algum indício de desonestidade – por exemplo: um recibo do advogado declarando nos autos que ele recebeu o Alvará há um ano sem ele ter te comunicado disso -, faça uma cópia autenticada dos autos imediatamente para poder comprovar isso depois. A cópia autenticada se justifica porque às vezes alguns documentos desaparecem 'misteriosamente' dos autos, como mencionamos aqui.

Para fazer as cópias autenticadas, como a parte não pode retirar os autos do cartório - esse é um direito exclusivo dos advogados, defensores públicos, peritos e Ministério Público -, peça para o advogado da tua confiança retirar os autos emprestados para xerox – ele vai ter que deixar o movimento do processo e um documento pessoal dele no cartório -. Então vá a um tabelionato e faça cópias autenticadas do alvará, do recibo e de todos os documentos que podem ser úteis para a comprovação das tuas alegações.

Uma vez que você tenha essas cópias em mãos, você pode ir à OAB e à polícia denunciá-lo por essa infração ética. É do interesse dos advogados honestos que os colegas que cometem crimes sejam denunciados, processados, e, caso se comprove que eles realmente cometeram os crimes, sejam punidos.

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Veja também: dano moral puro: desnecessidade de demonstrar o sofrimento

sexta-feira, 21 de março de 2014

Quem paga mal paga duas vezes



O adágio acima lembra o seguinte princípio do Direito das Obrigações: o devedor tem a incumbência de entregar a coisa devida ao credor, no prazo correto e no lugar correto - não falaremos aqui das consequências jurídicas da mora, bem como do lugar do pagamento, assuntos esses que ficarão para outros posts.

Se não for entregue a coisa certa para a pessoa certa, o devedor poderá ser compelido – inclusive judicialmente – a fazer o pagamento novamente e desta vez da maneira corretaExistem obrigações em que o devedor só pode extingui-las se entregar uma coisa determinada. Exemplificando: se Pedro deve entregar a Paulo o cavalo Ventania, Pedro não pode desobrigar-se entregando o cavalo Trovão.

Por outro lado, há obrigações em que o que importa são a quantidade e a qualidade da coisa, e não o caráter individual de cada um dos itens do pagamento. Por exemplo: se Pedro deve entregar a Paulo mil sacas de café tipo A, não interessa se são as sacas de café armazenadas na fazenda Riacho Fundo ou na fazenda Santa Clara. Se forem entregues mil sacas de café tipo A, a obrigação foi cumprida.

Isso é o que cumpre observar no que se refere à coisa a ser entregue. Agora, quanto à pessoa que deve receber, cabem algumas considerações. Há situações – como nos exemplos acima – em que não resta a menor dúvida em relação à pessoa que deve receber. Já outras situações exigem uma análise mais cuidadosa, para que o devedor evite pagar a quem não deve e venha a ter que pagar duas vezes.

Vamos dar um exemplo ilustrativo: Pedro, que é casado, tem filhos e possui alguns imóveis, faz um contrato de promessa de compra e venda de uma casa a Paulo. O promitente comprador – na hipótese, Paulo – passa a efetuar o pagamento em prestações. Só que Pedro morre antes que todas as prestações sejam pagas. Então Paulo fica em dúvida: para quem devem ser pagas as parcelas restantes?

 A resposta vai depender da situação. Se já há um inventário sendo processado, o pagamento deve ser feito ao inventariante – mediante recibo, como é lógico -. Se houve inventário e o mesmo já definiu quem é o herdeiro que ficou com o crédito referente à compra e venda da casa objeto do contrato, é a esse herdeiro que o pagamento deve ser feito.

Mas e se ainda não há inventário? Nesse caso, Paulo deve ajuizar uma ação de consignação em pagamento, citando todos os herdeiros e depositando os valores judicialmente para que o juiz defina quem deve ficar com o quê. E, por último, na hipótese em que o pagamento é feito à pessoa errada, o devedor pode acionar uma ação contra a pessoa que recebeu indevidamente requerendo a restituição dos valores – no caso do Direito do Consumidor essa restituição equivale ao dobro do valor pago em excesso -.

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