Lei Simplificada

sábado, 16 de agosto de 2014

A retrovenda que não ocorreu: crônica de uma tragédia


              Um advogado, que chamaremos de Raposo da Silva, decidiu se dedicar à agiotagem logo após o início de sua carreira profissional. Emprestava dinheiro a juros e, como garantia, exigia que se efetuasse uma compra-e-venda de um imóvel de propriedade do devedor para si. Para reduzir o receio das vítimas, inseria no contrato uma cláusula prevendo a retrovenda do imóvel para o devedor - o que deveria acontecer assim que o débito fosse pago -.

             Só que, após feito o negócio, quando o devedor queria exercer a pretensão de pagar o débito e recomprar a casa de volta pelo mesmo preço e mais as despesas de transferência conforme acordado, o credor/mutuante nunca estava presente para receber o dinheiro no prazo. Como a intenção do credor não era de receber o empréstimo acrescido de juros e sim de ficar de dono do imóvel - cujo valor era muito superior ao débito em si -, ele sempre estava 'viajando', 'em reunião' ou 'em audiência'. Vencido o prazo para o pagamento do empréstimo, Raposo ajuizava uma ação de despejo e ficava com a casa para si, para fins de locação ou venda. 

         Normalmente as vítimas ficavam com receio de buscar uma solução jurídica para o caso, pois presumiam que não conseguiriam comprovar suas alegações. Talvez estivessem certas, afinal, se a entrega do dinheiro emprestado tinha sido feita em espécie por ocasião do empréstimo - e não por depósito bancário -, como comprovar que a compra-e-venda era só uma simulação para garantir um outro contrato? 

              Após esse golpe ter tido êxito com umas cinco ou seis pessoas, ele foi aplicado no Sr. João, que entrou em desespero ao ser citado da ação de despejo, e ficou de tocaia à noite em uma árvore próxima ao portão da residência de Raposo. Assim que este, ao chegar em casa, desceu do carro para abrir o portão, João disparou seis tiros de revólver calibre 38 no peito dele e fugiu. Posteriormente João foi preso e condenado pelo crime de homicídio.

              Concluindo, se você for tomar um empréstimo e o credor pedir que você passe algum bem para o nome dele, peça a orientação de um advogado de sua confiança. Talvez ele te cobre a consulta e o acompanhamento da lavratura do contrato, mas é melhor investir um pouco em honorários antes de fazer um negócio do que se arrepender depois e perder muito mais.   

sábado, 9 de agosto de 2014

Taxa de evolução de obra: cobrança indevida

Atenção: se você já comprou um apartamento financiado - ou pretende fazer isso no futuro - esse post é do seu interesse.



           Quem já comprou um apartamento financiado pela Caixa Econômica Federal sabe que é cobrada, durante o período de construção do imóvel, a taxa de evolução de obra, a qual corresponde, em média, a 2% do valor do imóvel. No entanto, a cobrança dessa taxa torna-se ilegal quando o consumidor continua a pagá-la após o prazo previsto no contrato para a entrega das chaves. 

           A cobrança da taxa de evolução de obra objetiva pressionar as construtoras a terminar as obras dentro dos prazos estipulados contratualmente, porém é inócua nesse sentido porque quem arca com esse custo é o adquirente do imóvel e não a construtora. Mas, mesmo prevalecendo o entendimento de que o adquirente é obrigado a pagar por um atraso na obra que não é culpa sua - o que, no mínimo, é discutível -, a cobrança da taxa de evolução de obra após o prazo previsto no contrato para a entrega do imóvel é cristalinamente ilegal.

           Esclarecendo: a abusividade da cobrança da taxa de evolução de obra consiste no fato de que, se essa taxa se destina a evitar o atraso da construção e o atraso já ocorreu, então ela passa a ser não somente inútil como também lesiva ao consumidor - no caso, o mutuário -. Em outras palavras: se já houve o atraso então não há como se evitar o atraso. 

           Diga-se de passagem que o pagamento da taxa de evolução de obra, tanto antes do prazo previsto para o término da construção como depois dele, não amortiza o saldo devedor. Donde se conclui que a cobrança dessa taxa serve apenas para aumentar a receita da instituição financeira.     

        Além disso, a aplicação de juros remuneratórios sobre o valor da taxa de evolução de obra é considerada abusiva, pois não se trata, na espécie, de uma operação de mútuo (empréstimo). Ou seja: se a taxa de evolução de obra não é mútuo e sim um ônus que se impõe ao adquirente do imóvel, não se pode cobrar juros remuneratórios sobre esse valor.

            Então quando uma dessas alternativas ocorrer - cobrança após o período definido para a entrega das chaves e/ou aplicação de juros remuneratórios -, o proprietário prejudicado pode ajuizar uma ação judicial requerendo a devolução do valor pago indevidamente em dobro, com juros e correção monetária.

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Veja também: A retrovenda que não ocorreu: crônica de uma tragédia


sábado, 2 de agosto de 2014

A Máfia do DPVAT



         
         Existem no Brasil muitos escritórios especializados em encaminhar pedidos de indenização ao DPVAT. Eles representam, mediante procuração, pessoas que tiveram ferimentos em decorrência de acidentes de trânsito, e, por conta disso, tiveram despesas em hospitais. O trabalho deles é reunir a documentação relativa ao sinistro e às despesas e encaminhar o pedido de reembolso junto a uma seguradora. 

            Em que pese o fato de que a maioria desses escritórios não exerce atividade criminosa, há alguns que são verdadeiras quadrilhas. Há relatos de acidentes de trânsito que teriam sido provocados propositalmente nas principais avenidas das grandes cidades, causando colisão entre dezenas de veículos e levando pessoas a ter ferimentos graves. Então, no meio dos carros danificados, surgem "por coincidência" pessoas com procurações e canetas captando clientes. Na maioria desses casos, a vítima recebe pouco ou nenhum dinheiro da indenização. 

             Esses escritórios - que os funcionários das seguradoras já apelidaram de abutres - têm advogados em seus quadros que vão até as últimas consequências para receber as indenizações (incluindo ameaças e agressões físicas), e contam com a cumplicidade de funcionários de seguradoras, socorristas, médicos e funcionários de hospitais. Superfaturar as despesas e falsificar os prontuários, declarando a realização de procedimentos que não foram efetuados é ocorrência corriqueira. 

             E o que o cidadão comum pode fazer a respeito? Bem, na hipótese de se envolver em um acidente de trânsito, não se deve assinar de imediato nenhuma procuração a quem quer que seja. Se após a internação a pessoa tiver tido despesas e quiser o reembolso das mesmas, então pode procurar uma seguradora e encaminhar os documentos requeridos sem ter que usar intermediários e pagar comissão.

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Mais detalhes sobre o DPVAT em: http://www.denatran.gov.br/dpvat.htm

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Uma hipótese de revisão de contrato



           

1 - O Princípio da Força Obrigatória dos Contratos

         
          Os romanos acreditavam que, uma vez que alguém tivesse celebrado um contrato ou acordo de vontades, o mesmo teria que ser cumprido, por ter tal contrato força obrigatória. Pacta sunt servanda, diziam eles, entendendo que o contrato tinha força de lei entre as partes. Esse princípio da força obrigatória dos contratos era decorrência lógica de um outro: o princípio da autonomia da vontade ou princípio da liberdade negocial.

2 - O Princípio da Autonomia da Vontade


             O princípio da autonomia da vontade dispõe que ninguém é obrigado a celebrar um contrato, tendo as partes liberdade para aderir a um pacto ou não, negociando as suas cláusulas conforme o desejarem¹. Em decorrência disso, uma vez que um contratante tenha aderido a um determinado acordo de vontades voluntáriamente, tendo plena consciência dos direitos e das obrigações decorrentes desse contrato, não se pode excusar de cumpri-lo, ainda que após a celebração do contrato venha a se arrepender².    

3 - A Teoria da Imprevisão


           Porém há alguns contratos cuja execução se prolonga no tempo - como no caso da promessa de compra e venda de um imóvel em que o pagamento é dividido em dezenas ou centenas de prestações periódicas. E às vezes ocorre, nessa espécie de contrato, que as condições de cumprimento do contrato se alteram sensívelmente decorrido algum tempo após a sua celebração.

         Exemplificando: imaginemos que Vânio prometa vender a Celso um apartamento, cujo preço é dividido em prestações periódicas que totalizam R$ 300.000,00. Então, 1 ano após a celebração desse contrato de promessa de compra e venda, o Município constrói um viaduto ao lado do prédio, permitindo que automóveis passem a menos de cinco metros da janela da sala de estar desse apartamento.
   
             Na hipótese descrita acima, é evidente que Celso, o promitente comprador, teve um prejuízo, pois o imóvel se desvalorizou sensívelmente após a celebração do contrato. Caso ele não tivesse terminado de pagar as prestações e a construção do viaduto não pudesse ser prevista antes da celebração do contrato, Celso poderia ajuizar uma ação pedindo ao juiz que revisasse o contrato, ajustando o preço do imóvel à nova realidade. 

4 - Conclusão       


            Resumindo: se a execução de um contrato se prolonga no tempo, e, após a celebração, ocorrem mudanças imprevistas nas condições de cumprimento desse contrato, o mesmo pode ser revisado judicialmente .


¹ - A possibilidade de se discutir cada cláusula do contrato não é a regra nos chamados contratos de massa, ou seja, nos contratos de consumo, principalmente naqueles contratos que envolvem a prestação de serviços públicos por empresas são a única opção do contratante - como o serviço de fornecimento de água, por exemplo.

² - Existe a possibilidade de se incluir no contrato uma cláusula que estipule às partes o direito de arrependimento. 

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Veja também:
A Máfia do DPVAT
A Assistência Judiciária Gratuita

sábado, 19 de julho de 2014

O trabalhador autônomo e a Previdência

Atenção: este post é um alerta para os trabalhadores autônomos.



             Um dos princípios do Direito Previdenciário é o princípio da contributividade, segundo o qual, para que alguém tenha o direito de receber um benefício, essa pessoa deve, anteriormente, ter contribuído para o INSS por um período mínimo necessário - ao menos quinze anos, no caso da aposentadoria por idade -. Sem que se cumpra esse requisito, o postulante do beneficio não irá recebê-lo, mesmo que tal pessoa tenha atingido a idade para se aposentar.

             Trabalhar e auferir rendimentos sem recolher a contribuição é uma ocorrência normal entre os trabalhadores autônomos, que, para ganhar um pouco mais, preferem trabalhar por conta própria ao invés de serem funcionários de uma empresa. Muitos profissionais liberais ficam adiando indefinidamente o momento do início da contribuição por razões diversas - períodos de aperto financeiro, a necessidade de comprar algo, pagar os estudos dos filhos, etc.

             Então, se esse é o caso do leitor, é interessante que se faça um planejamento para começar a contribuir tão logo isso seja possível. Caso você não o faça e venha a chegar na velhice sem ter um patrimônio que lhe garanta rendimentos - como aluguel de imóveis e/ou aplicações financeiras, por exemplo -, poderão lhe advir dificuldades, uma vez que o nível de gastos costuma aumentar com a idade - planos de saúde ficam mais caros, a necessidade de tomar remédios constantes aumenta, etc.

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sábado, 12 de julho de 2014

O réu confesso e a presunção de inocência

Atenção: neste post responderemos, em forma de perguntas e respostas, algumas dúvidas concernentes à presunção de inocência





1 - O que é presunção?

            Presunção, do ponto de vista jurídico, é o efeito legal pelo qual se trata uma determinada premissa como verdadeira até que se prove a falsidade da mesma. Exemplificando: se uma mulher casada fica grávida e ganha um filho, presume-se que esse bebê é filho do marido dela. Às vezes ocorre de uma mulher casada engravidar de um outro homem, mas, até que se prove isso, a lei considera o marido dela como o pai da criança.

2 - O que é presunção de inocência?


           Presunção de inocência é o princípio constitucional que dispõe que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".
           Em decorrência desse princípio, todo e qualquer acusado - independentemente do número de inquéritos e processos que esse acusado estiver respondendo e independentemente do número de condenações anteriores - é tido como inocente até que, após a sentença penal condenatória, não haja mais possibilidade de recurso.
           Essa impossibilidade de recorrer pode ser decorrente de vários motivos: a) o acusado pode já ter utilizado todos os meios recursais que a lei processual penal lhe faculta, ou; b) o acusado pode ter renunciado o prazo para recorrer - de forma expressa, através de petição nos autos ou de forma tácita, deixando o prazo transcorrer sem fazer nenhuma manifestação - ou; c) o acusado pode ter desistido do recurso após a sua interposição.

3 - O réu confesso deixa de ter assegurada a presunção de sua inocência?  


           A confissão é um dos meios de prova admitidos pela legislação processual penal brasileira, porém ela não é considerada uma prova absoluta da culpabilidade do réu, pelos motivos que explicaremos adiante. O juiz, ao proferir a sentença, deve tomar a sua decisão levando em conta a confissão em conjunto com as demais provas existentes nos autos.
           Esclarecendo: não se considera a confissão como uma prova absoluta porque existe a possibilidade de algum inocente assumir a autoria de um crime que não cometeu. Essa hipótese, mesmo que rara, ocorre por vezes, por uma série de razões: o sujeito que confessou a autoria do crime pode ter sido ameaçado ou ter tido a família ameaçada, ou pode ter assumido a autoria de um crime cometido por algum familiar - como o caso de um senhor septuagenário que assumiu a autoria de um homicídio praticado pelo seu filho -, ou pode ser um adolescente que está simplesmente 'aliviando a barra' do chefe da quadrilha da qual faz parte, etc.
           Então, respondendo à pergunta acima, o réu confesso não fica sem a garantia constitucional da presunção de inocência pelo fato de ter confessado.

4 - Quando é que a confissão do réu tem relevância?


           A confissão tem importância por ocasião da sentença, pois pode levar à condenação do réu quando, no cotejo com as demais provas dos autos - perícias, depoimentos de testemunhas, documentos como fotos e vídeos, etc -, tiver coerência.

5 - Qual é a importância da presunção de inocência para o internauta?


           Uma vez que tudo o que é publicado na internet pode ficar registrado para sempre, é bom tomar cuidado ao comentar, nas seções de comentários dos portais de notícias ou nas páginas das redes sociais, sobre eventuais crimes ocorridos. Já houve o caso de uma pessoa que foi condenada a pagar indenização por danos morais e respondeu criminalmente por calúnia por ter compartilhado um post que apontava um homem como autor de um crime.
           Portanto, ao fazer comentários em postagens que apontam determinadas pessoas como criminosas, siga a dica deste post aqui.

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sábado, 5 de julho de 2014

O direito à saúde

             

              De acordo com o artigo 196 da Constituição Federal, 'a saúde é um direito de todos e dever do Estado'.  A consequência jurídica dessa norma constitucional é que, se alguém necessitar de cirurgias, remédios, próteses ou até alimentos especiais - para pacientes com alergia, por exemplo -, pode requerer ao Poder Público o fornecimento desses recursos.

              E esse direito é universal, ou seja: até mesmo pessoas de posses poderão, eventualmente, requerer  e obter esses produtos e/ou serviços, desde que comprovem que não têm condições de arcar com os custos dos mesmos. Exemplificando: já houve um caso em que uma pessoa portadora de uma doença rara precisou de um determinado remédio, cujo custo mensal ficava em torno de U$D 100.000,00 (cem mil dólares americanos). Há de se convir que essa soma pode ser pesada até mesmo para pessoas de classe média alta.

              O procedimento para pedir os medicamentos é o seguinte: de posse de uma receita médica assinada por um médico do SUS, o paciente deve dirigir-se à Secretaria de Saúde de seu Município e preencher um formulário. Esse formulário dá início a um procedimento administrativo, em que vai ser analisado se o medicamento é mesmo necessário para aquela doença, se não há algum remédio similar mais barato que possa produzir o mesmo efeito, etc. Após essa análise o pedido é deferido - aceito - ou indeferido - recusado -.

             Em caso de indeferimento, o paciente pode recorrer, então, ao Poder Judiciário - na verdade não é obrigatório fazer o processo administrativo antes de se ajuizar a ação, porém é interessante seguir os trâmites burocráticos por uma questão de respeito com quem já fez o seu pedido anteriormente. Então o mais conveniente é que só se ajuíze a ação sem o pedido administrativo prévio em casos de extrema urgência. A ação é ajuizada mediante a outorga de procuração ao Defensor Público ou a um advogado que se disponha a trabalhar só pelos honorários sucumbenciais.

            Normalmente os advogados, no ajuizamento da ação, pedem que o juiz mande o órgão estatal fornecer os remédios imediatamente, mediante pedido de liminar. Porém, como o número de liminares expedidas tem sido enorme, o tempo de espera entre o início dos pedidos e o recebimento dos remédios tem levado vários pacientes a óbito. Há decisões judiciais que entendem que, se o paciente faleceu devido à demora no fornecimento dos remédios por parte do Estado, isso pode ensejar indenização por dano moral à família.

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Veja também: o réu confesso e a presunção de inocência