Lei Simplificada

sábado, 27 de setembro de 2014

Diferença entre RPV e precatórios

Atenção: antes de ler o texto abaixo, saiba mais sobre precatórios clicando aqui, aqui e aqui.



           Recentemente compartilhamos na linha do tempo da nossa página no Facebook a seguinte notícia: dívida pública com vários autores de processo pode ser paga em RPV

     Alguns leitores nos contataram em privado perguntando sobre o significado de algumas expressões usadas na reportagem (litisconsórcio ativo facultativo, precatórios e requisição de pequeno valor). Decidimos então escrever este post, afinal, a página é destinada justamente a quem não é da área jurídica. 

           Vamos abordar os assuntos por partes:

1 - Litisconsórcio ativo facultativo


           Ocorre litisconsórcio quando há mais de um autor - litisconsórcio ativo - e/ou mais de um réu - litisconsórcio passivo - no mesmo processo.

           Exemplos: 

a) Litisconsórcio ativo: João tem um crédito contra Paulo e vem a falecer. Então todos os herdeiros de João - Mateus, Marcos e Lucas - ajuízam uma ação contra Paulo visando a cobrança dos valores que este (Paulo) devia ao de cujus (João).

b) Litisconsórcio passivo: João está em débito com um banco e vem a falecer. Como os herdeiros respondem pela dívida do falecido até o limite das forças da herança, o banco ajuíza uma ação de cobrança contra todos os herdeiros do devedor - na hipótese, Mateus, Marcos e Lucas -.  

        Se o litisconsórcio decorre da lei - como nos exemplos acima -, se trata de um litisconsórcio necessário. Já nos casos em que a lei permite que haja uma ação separada para cada parte e as pessoas optam por litigar em conjunto, se trata de um litisconsórcio facultativo. Normalmente são os advogados que tomam a decisão de reunir várias pessoas no polo ativo ou no polo passivo de uma ação e o fazem por economia de material/trabalho. 

Exemplificando: o advogado Pandolfo, conhecido por mover ações contra empresas de telefonia, recebe, em um breve espaço de tempo, procurações de 100 clientes que foram prejudicados pela empresa Sinalruim. Então, ao invés de ajuizar 100 ações com um cliente em cada, ele ajuiza 10 ações com 10 clientes em cada uma. Assim, quando ele tiver que fazer petições, por exemplo, ele terá que fazer 10 petições ao invés de 100. E como se trata de ações movidas contra a mesma empresa, isso é juridicamente possível.

2 - Precatórios


            Em um post anterior, escrevemos sobre os precatórios o seguinte: 

Os precatórios judiciais são a forma da Fazenda Pública pagar as dívidas que possui em decorrência da perda de ações judiciais. O procedimento para se executar um crédito contra o Estado – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – é diferente do procedimento utilizado para se executar um crédito contra uma pessoa física ou contra uma empresa.

Quando uma pessoa física ou uma empresa perde uma ação judicial e essa ação vai para a fase executiva – fase de cobrança -, são os bens da pessoa que respondem pelo débito. Ou seja: o juiz, a pedido do exequente/credor, determina que o Oficial de Justiça penhore bens do devedor. A seguir, os bens são leiloados e, do dinheiro arrecadado com o leilão, pagam-se o débito, as custas judiciais e os honorários devidos ao advogado do exeqüente – chamados honorários sucumbenciais -. Caso sobre algum valor após serem pagos todos esses encargos, o que sobra é devolvido ao devedor.

Só que quando o Estado perde uma ação judicial e esta, depois de esgotados todos os recursos, vai para a fase de cobrança, há um obstáculo: os bens públicos não são passíveis de penhora. E então, como é que se faz para que o credor receba o que lhe é devido? Nesse caso, o juiz, a pedido do exequente, manda o Escrivão do cartório da vara onde atua enviar um ofício ao Tribunal, requerendo a expedição de um precatório judicial em favor do credor. Lá na Secretaria de Precatórios, esse pedido entra em uma fila em ordem cronológica e fica esperando a sua vez de ser pago.

A Fazenda Pública não paga os precatórios com a celeridade que deveria. De fato, por lei, os precatórios inscritos no orçamento até a metade de 2014 – por exemplo – deveriam ser pagos até o fim de 2015. Mas não é isso o que acontece na prática. Há precatórios que levam décadas para serem pagos

Isso ocorre porque esses pagamentos dependem do valor destinado a eles na lei orçamentária e, para os administradores públicos, fazer asfalto de baixa qualidade dá mais voto do que pagar precatórios. Por conta dessa demora, criou-se um mercado de compra e venda de precatórios, que mencionamos nos posts indicados acima da foto do início deste post. 

3 - Requisição de Pequeno Valor


        Se alguém é credor do Estado até um certo limite, poderá requisitar que se faça a execução contra a Fazenda Pública mediante requisição de pequeno valor - RPV -. A requisição de pequeno valor evita a expedição de precatório e normalmente é paga em poucos meses, evitando que o credor tenha que esperar anos e anos pelo pagamento de um precatório

         É importante observar que, se alguém tiver um crédito de valor superior ao limite da RPV, ele poderá renunciar a parcela do crédito que passa desse limite para requerer a expedição de uma requisição de pequeno valor e receber seu crédito - ou a parte que sobrou após a renúncia - de forma mais rápida.  

           Os limites para que seja possível requisitar a RPV são os seguintes:

a) Até 60 salários mínimos, se o crédito for contra a Fazenda Pública federal;
b) Até 40 salários mínimos¹, se o crédito for contra a Fazenda Pública estadual;
c) Até 30 salários mínimos², se o crédito for contra a Fazenda Pública municipal.

        Para concluir, e retomando a notícia do Conjur mencionada no início do post, o que o STF decidiu é que, se em uma ação contra a Fazenda Pública há mais de um autor em litisconsórcio facultativo e o crédito de cada um deles é inferior ao limite da RPV, o pagamento não precisa ser feito por precatório, podendo ser feito por RPV. 

¹ - Esse limite só é válido se não houver lei estadual estabelecendo outro valor.
² - Esse limite só é válido se não houver lei municipal estabelecendo outro valor.




sábado, 20 de setembro de 2014

Assédio Sexual



           A sexualidade faz parte da natureza humana. Porém, para que o ato sexual seja lícito, ambas as partes envolvidas devem ter o poder de decidir se querem fazer sexo, quando, onde, como e com quem, ou seja: nada pode interferir na liberdade de uma pessoa recusar as investidas sexuais de outra, pois. se essa liberdade for restringida, tem-se, em tese, um ato criminoso. 

        Neste post vamos nos ater ao crime de assédio, em que a conduta do autor, apesar de não ser tão violenta quanto no estupro, restringe - ou procura restringir - a liberdade da vítima. Só pode haver assédio sexual se o autor do crime tem, por exercer um determinado cargo em empresa - ou ONG ou instituição religiosa -, uma certa dose de poder sobre a vítima

        O autor, então, constrange a vítima  a lhe conceder favores sexuais utilizando sua superioridade hierárquica. Ou seja: se a vítima resistir, o autor pode fazer uso de seu poder para se vingar, anulando ou reduzindo a liberdade da vítima de dizer não. Por exemplo: "saia comigo ou eu te demito". O autor também comete crime de assédio se prometer benefícios à vítima. Exemplificando: "saia comigo e ganharás um aumento/promoção". 

      É importante observar que, quando ambas as partes exercem o mesmo cargo ou função na empresa não há crime de assédio pois não há, nesse caso, ascendência hierárquica entre o (a) assediador (a) e o (a) assediado (a). 

           Em uma empresa, ONG ou órgão público, caso ocorra um crime dessa espécie, pode-se ajuizar uma ação de indenização por dano moral contra o autor e contra a empresa, A responsabilidade da empresa consiste no fato de que a mesma responde objetivamente pelos atos ilícitos de seus funcionários. 

           Em resumo: para que se configure o crime de assédio sexual, é necessário que o autor do crime tenha superioridade hierárquica em relação à vítima e a constranja, prometendo beneficiá-la caso ela lhe conceda favores sexuais ou ameaçando prejudicá-la no caso de ela não ceder. Não é preciso que a vítima ceda à pressão do autor: basta que haja o constrangimento.



sábado, 13 de setembro de 2014

Salvados são isentos de ICMS



        De acordo com a Súmula Vinculante n.º 32 do STF, "não incide ICMS sobre a alienação de salvados de sinistro pelas seguradoras". O que nos leva a duas questões: o que são sinistros e o que são salvados?
           Sinistros são atos ou fatos danosos que ocorrem aos bens segurados. Caso o sinistro ocorrido esteja coberto por um seguro, a seguradora terá a obrigação de pagar a indenização devida ao segurado de acordo com os parâmetros indenizatórios constantes da apólice. 
       E quanto aos bens que ficaram intactos apesar do sinistro - como a parte da carga de um caminhão tombado que não se danificou com o acidente -? Ora, esses bens, denominados salvados, são recolhidos pela seguradora e vendidos em leilão.
       Através da Súmula Vinculante n.º 32, o STF consolidou o entendimento de que o arrematante das mercadorias vendidas por uma seguradora em leilão é isento do ICMS incidente sobre os produtos arrematados, desde que tais produtos sejam salvados de sinistros,
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Veja também: 
Assédio sexual
Decifrando o Direito




terça-feira, 9 de setembro de 2014

Testemunhas: da acusação ou da defesa?


           
         É corriqueiro - e normal inclusive - que as pessoas que não são do meio jurídico pensem que, se uma testemunha foi arrolada pelo autor de um processo, tal testemunha tem o dever de sustentar a versão do autor sobre os fatos discutidos, enquanto que a testemunha arrolada pelo réu deveria confirmar a versão do réu.

      Porém isso não é verdade: a testemunha tem o dever de narrar os fatos como os mesmos aconteceram - ou pelo menos, como os fatos foram percebidos por ela, uma vez que as percepções da testemunha podem estar equivocadas -. Então, uma vez que a testemunha assume o compromisso de falar a verdade em uma audiência, o dever dela já não é com a parte que a arrolou, e sim com a verdade. 

          Os operadores do Direito sabem que é comum uma testemunha ser arrolada pelo autor e acabar dando declarações que beneficiam o réu e vice-versa. E, embora isso seja ruim para a parte que a arrolou, a testemunha comprometida com os fatos é bem mais confiável do que aquela que foi claramente arrolada para 'dar uma forcinha' para o amigo ou colega de trabalho. 

           No momento em que o juiz analisa as provas e julga o processo, com certeza a testemunha que dá um depoimento imparcial tem suas declarações mais valorizadas do que a testemunha que se contradiz ao forçar o depoimento para favorecer uma das partes. E nunca é demais lembrar que o falso testemunho é tipificado como crime - artigo 342 do Código Penal -.

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Veja também: Salvados são isentos de ICMS

sábado, 6 de setembro de 2014

Como evitar uma multa moratória abusiva



            A multa moratória, ou multa de mora, é a multa pela demora, ou seja: se Divério tem que pagar a Crispim a quantia de R$ 2000,00 até o dia 10 de setembro e fez o pagamento após esse prazo (no dia 15, por exemplo), o valor a ser pago é acrescido da multa de mora de até 2% do montante da dívida - isso se houver uma cláusula contratual prevendo a aplicação dessa multa -. 

             Evidentemente, se o pagamento não for feito mesmo após o vencimento do prazo, também é caso de aplicação da multa de mora sobre o valor do débito. Nessa hipótese, o valor da dívida com os acessórios (multa moratória, juros, correção monetária, etc.) serão cobrados na ação de execução.

        É importante observar que, nos casos de pagamento parcelado - como no financiamento de automóveis, por exemplo -, o inadimplemento (não pagamento no prazo) de uma das parcelas acarreta o vencimento antecipado das parcelas seguintes e é sobre o total da dívida remanescente que será aplicada a multa. 

          Dois por cento sobre o valor devido é o limite máximo estabelecido pelo Código Civil para as obrigações contraídas depois de fevereiro de 2003. Para as obrigações com vencimento em datas anteriores a fevereiro de 2003, o limite máximo era de 20%.             

       Esse limite de 2% não se aplica nos casos de atraso no pagamento de dívidas tributárias, previdenciárias ou trabalhistas porque nesses casos a legislação aplicável não é o Código Civil. 

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Veja também: O dever de imparcialidade das testemunhas

sábado, 30 de agosto de 2014

O pulo de vara

       
       
           Fulano de Tal, advogado, casado com Beltrana de Tal - juíza de uma vara criminal -, recebia altos honorários de apenados para provocar o chamado 'pulo de vara', ou seja: a transferência dos autos do processo de uma vara criminal para outra.

             A juíza Beltrana de Tal, esposa de Fulano, tinha fama de ser muito severa na fase de execução das penas, enquanto que Ciclano, o juiz da outra vara criminal da Comarca, era menos exigente ao conceder benefícios aos apenados, tais como: livramento condicional, progressão de regime - do regime fechado para o semi-aberto e do semi-aberto para o aberto -, etc.

             Fulano não era advogado criminalista, mas, conversando com colegas que atuavam na área Penal, teve uma ideia: ele juntaria uma procuração aos autos de processos criminais em fase de execução - que estavam na Vara em que sua esposa era juíza. Isso obrigaria a juíza a se dar por impedida - por conta da relação conjugal que tinha com o procurador e provocaria o envio dos autos à distribuição para que os mesmos fossem remetidos a outra Vara.

           Uma vez que os autos estivessem na Vara do juiz mais magnânimo, o advogado que defendia o cliente anteriormente juntava uma nova procuração aos autos e o apenado ficava com a vida mais fácil.

           O esquema funcionou por vários anos e em dezenas de processos, até que um promotor decidiu pedir a abertura de inquérito para investigar a ocorrência, em tese, do crime de exploração de prestígio, previsto no artigo 357 do Código Penal: "Solicitar ou receber dinheiro ou qualquer outra utilidade, a pretexto de influir em juiz, jurado, órgão do Ministério Público, funcionário de justiça, perito, tradutor, intérprete ou testemunha".

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sábado, 23 de agosto de 2014

Dívida de imposto prescrita

          
             
            Em uma das nossas idas ao Fórum, nós presenciamos o seguinte diálogo entre cliente e advogado:

- Mas e a dívida de imposto, doutor? Já faz uns quinze anos que eu não pago o IPTU daquele terreno...

- Pague só os últimos cinco anos, afinal, o imposto referente aos exercícios anteriores há cinco anos atrás está prescrito. 

             Bem, o que o advogado falou pode ser verdadeiro ou não. Há que se fazer alguns esclarecimentos a respeito desse assunto.

          O dever de pagar um determinado imposto surge quando ocorre um fato gerador desse imposto - fato gerador é o fato ou ato previsto na lei como criador da obrigação tributária, p. ex.: no IPTU, o fato gerador é ser proprietário de um imóvel urbano -.

           Explicando de forma simplista: uma vez ocorrido um fato gerador, nasce para a Fazenda Pública o direito de cobrar o valor do imposto correspondente a esse fato gerador e a cobrança do crédito tributário seguirá então duas fases: 

1ª) o lançamento do imposto devido em dívida ativa e; 

2ª) a cobrança do imposto lançado em dívida ativa através de uma ação judicial chamada ação de execução fiscal. Se o contribuinte pagar voluntariamente o débito antes do ajuizamento da execução fiscal, a mesma não é ajuizada por ser desnecessária, como é óbvio.

          A Fazenda Pública não pode fazer a cobrança de um imposto devido indefinidamente, pois há prazos que devem ser observados. A depender das circunstâncias, o crédito tributário pode prescrever, e, se o crédito estiver prescrito, o contribuinte só o pagará se o quiser, uma vez que o Fisco não pode mais ajuizar a ação de execução fiscal.

           Ocorrido o fato gerador, o Fisco tem o prazo de cinco anos pra lançar o imposto devido em dívida ativa. E, a partir do lançamento desse débito em dívida ativa, o Fisco tem outros cinco anos para ajuizar a ação de execução fiscal.

            Vamos dar um exemplo ilustrativo: se um contribuinte deixa de pagar o imposto referente a um fato gerador ocorrido em 2003, a Fazenda Pública tem até 2008 para lançar o débito em dívida ativa e até 2013 para ajuizar a ação de execução fiscal¹. 

            Então, se o fato gerador do imposto ocorreu em 2003 e o Fisco fez a inscrição do débito em dívida ativa em 2010, houve a decadência, ou seja, a perda do direito da Fazenda Pública fazer o lançamento do débito em dívida ativa, pois este lançamento ocorreu depois de decorridos cinco anos do fato gerador. Isso torna a inscrição em dívida ativa nula.

          Ainda nessa hipótese, se o lançamento em dívida ativa ocorreu em 2006 - dentro do prazo de cinco anos - e a execução fiscal foi ajuizada em 2012, ocorreu a prescrição do débito, pois o ajuizamento da execução deveria ter ocorrido no máximo até cinco anos após a inscrição do débito em dívida ativa. 

         Em resumo: se você tem dívidas de impostos decorrentes de fatos geradores ocorridos há mais de cinco anos atrás, consulte um advogado para analisar o teu caso. Talvez essa dívida - ou parte dela - esteja prescrita e você não precise pagar. É interessante observar que, se você pagar uma dívida estando a mesma prescrita, você não poderá ajuizar uma ação de repetição de indébito para reaver o valor pago.

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¹ - Nos casos em que não se sabe a data correta da constituição do crédito tributário, considera-se o 1º dia do ano seguinte ao do fato gerador como a data inicial do prazo de cinco anos para o lançamento do imposto em dívida ativa.

Veja também: Pulo de vara