Lei Simplificada

sábado, 27 de dezembro de 2014

Estado de perigo

        Pedro, cujo filho estava em risco de vida e precisava urgentemente de uma cirurgia cara, decidiu vender o seu carro, cujo valor de mercado era de R$ 40.000,00. Comunicou a situação a Paulo, que se aproveitou da situação desesperadora do outro e fez uma oferta de R$ 20.000,00 pelo veículo. Como a situação de saúde de seu filho era tão grave que não podia esperar vários anos para obter a cirurgia pelo SUS, Pedro vendeu o carro por R$ 20.000,00.
       
     Ora, depois de fazer a cirurgia, Pedro pode, se o desejar, ajuizar uma ação contra Paulo requerendo ao juiz a anulação do negócio, pois, ao celebrá-lo, sua declaração de vontade estava viciada pelo estado de perigo. Ou seja: se não fosse a situação de perigo iminente - conhecida pelo outro contratante, que se aproveitou dela para obter uma vantagem excessiva com o negócio -, Pedro não venderia o seu carro, ou o venderia pelo valor de mercado. 

         Quando duas ou mais pessoas celebram um contrato, o mesmo deve preencher alguns requisitos para que seja considerado juridicamente existente, válido e eficaz. A vontade das partes deve ser manifestada livre e conscientemente, ou seja: cada contratante deve saber exatamente a que está se obrigando e não pode ser 'forçado' a contratar. 

      Algumas pressões são admitidas implicitamente pelo ordenamento jurídico - publicidade, insistência -, outras não. Conforme o Código Civil atual - em vigor desde 2003 -, ninguém pode se aproveitar de uma situação de estado de perigo para impôr a outrem um contrato que seja excessivamente vantajoso para si e excessivamente prejudicial para a outra parte. 

         Na hipótese acima, Pedro pode pedir a anulação do negócio, devolvendo o valor pago por Paulo e retomando o veículo, ou a complementação do valor do carro. Qual dessas alternativas será definida na sentença? Aí vai depender do entendimento do juiz que julgar a ação.

Veja também: a utilidade do inventário

  

sábado, 20 de dezembro de 2014

Resolvendo uma situação fora do Judiciário

          

          O Sr. Eugênio procurou o advogado Pandolfo e lhe narrou a seguinte situação: "doutor, eu moro com minha esposa e meu filho de 27 anos em uma casa de dois quartos". "Há uma semana uma garota de 13 anos, vizinha nossa, saiu da casa dos tios onde residia e pediu para ficar uns dias na nossa casa".

          "Eu não estava em casa quando ela chegou". "Minha esposa a instalou no quarto do nosso filho". "Quando cheguei em casa e vi a situação fiquei preocupado, pois, se meu filho tiver relações sexuais com ela, poderá se complicar com a Justiça, afinal, ela tem menos de 14 anos". Pra piorar a situação, eu e minha esposa ficamos fora de casa o dia todo trabalhando e o meu filho, que está de férias, passa o dia em casa. 

            "Pedi à garota que ela voltasse para a casa do tio e ela não quis ir". "Minha esposa quer que ela fique conosco para ajudar no serviço doméstico". "Temo que isso possa nos custar uma ação trabalhista futuramente, isso se nós não formos acusados de permitir que a menina fosse abusada sexualmente em nossa casa". "Expliquei tudo isso para o tio dela e pedi que ele a pegasse de volta, mas ele fez pouco caso".

       Orientado pelo advogado, o Sr. Eugênio enviou uma carta ao tio da menina através do Tabelionato de Registro de Títulos e Documentos, fixando prazo para que ele levasse a garota de volta para casa. Poucos dias depois o Sr. Eugênio telefonou para o advogado: "doutor, o Fulano levou a garota de volta pra casa no outro dia e a situação está resolvida".

        Assim como o caso narrado acima, a interpelação extrajudicial pode ser usada para muitas finalidades: cobrança de dívidas, exigência de cumprimento de contratos, exigência de pedido de desculpas ou outra atitude qualquer. Tal procedimento, logicamente, não funciona em 100% dos casos, mas, quando funciona, evita-se de ter que ajuizar uma ação judicial contra a outra pessoa, envolvendo o Poder Judiciário e fazendo as partes perderem tempo, se estressarem e gastarem com custas e honorários.

          O procedimento é simples: escreve-se uma carta e se envia a mesma através do Tabelionato de Registro de Títulos e Documentos. O teor da carta vai variar conforme a situação, mas, à guisa de sugestão, pode ser assim: 

          No alto da carta (que deve ser digitada ou datilografada), se põe o nome completo do remetente e do destinatário (De:; Para:). Abaixo deve vir o título notificação (em letra maiúscula) e então o texto. No corpo do texto, deve-se narrar a situação, a pretensão do remetente e o prazo fixado para que o destinatário tome a atitude desejada. É de bom alvitre avisar que, se o destinatário não resolver a situação no prazo, o remetente tomará as medidas judiciais cabíveis

         Há pessoas que não se importam se forem processadas, mas outras ficam em pânico diante da mera possibilidade disso acontecer. Se o destinatário da interpelação for de uma índole parecida com a desse último grupo, a medida pode surtir efeito.

Veja também: estado de perigo

sábado, 13 de dezembro de 2014

Responsabilidade civil III: culpa e dolo

Atenção: para compreender melhor o texto abaixo, é necessário ler primeiro este aqui.

Introdução  


          O ato ilícito doloso ou culposo, tanto por ação (conduta comissiva) como por omissão (conduta omissiva), gera responsabilidade. O ilícito civil só gera, a princípio, efeitos civis, ou seja: o dever de restituir a coisa lesada ao estado que era antes, enquanto que o ilícito penal gera efeitos civis, penais e, conforme o caso, administrativos - por exemplo: o funcionário público condenado por peculato pode, como consequência da condenação, ser demitido de sua função -.

Responsabilidade objetiva da pessoa jurídica


          Todo ato ilícito civil cometido por um funcionário público ou funcionário de empresa privada deve ser indenizado. Basta que a vítima demonstre a culpa do preposto ou do funcionário que provocou o dano e o Estado e/ou a empresa responderão objetivamente, ou seja: independentemente de culpa.

Responsabilidade subjetiva da pessoa física


       Já a pessoa física que comete um ato ilícito - tanto penal quanto civil - só responderá pelos efeitos jurídicos do mesmo se tiver procedido com dolo ou culpa. A diferença entre dolo e culpa é mais relevante no Direito Penal do que no Direito Civil. Com efeito, normalmente a pena prevista legalmente para o crime doloso é mais rígida do que a pena para o crime culposo

A culpa e o dolo no ilícito penal 


       No crime doloso, o agente quer provocar o dano à vítima, enquanto que, no crime culposo, o dano não é intencional e só ocorre porque o autor do crime procedeu com negligência, imprudência ou imperícia. O dolo pode ser direto ou eventual e a culpa pode ser consciente ou inconsciente.

        No dolo direto, o agente deseja o resultado danoso. Por exemplo: João, dirigindo seu automóvel, vê à sua frente André, seu desafeto, atravessando a rua. Então João acelera o veículo com a clara intenção de atropelar André. 

      No dolo eventual, o agente não deseja diretamente o resultado. Porém sabe que há a possibilidade de que sua conduta resulte em algum dano a outrem, não se importando com essa possibilidade. Por exemplo: João dirige seu veículo em uma avenida movimentada a 120 km/h. Ele não quer, a princípio, atropelar ninguém, mas sabe que isso pode acontecer e tal possibilidade lhe é indiferente.

        Na culpa consciente o agente prevê o resultado, mas espera que ele não ocorra, supondo poder evitá-lo com a sua habilidade. Por exemplo: João dirige seu veículo em alta velocidade e, sabendo da possibilidade de ocorrer um acidente, crê ter habilidade suficiente para evitar acidentes em quaisquer situações que se apresentem. 

    Na culpa inconsciente, o agente não prevê o resultado, que, entretanto, era objetiva e subjetivamente previsível. Por exemplo, o cirurgião que esquece um instrumento cirúrgico no corpo do paciente e este acaba falecendo em razão de uma hemorragia decorrente de uma perfuração causada pelo objeto. O médico que deixou de tomar o devido cuidado - negligência -, não previu o que era previsível - afinal, em toda a cirurgia invasiva é possível, em tese, esse tipo de ocorrência -, responderá por homicídio culposo.

A culpa e o dolo no ilícito civil 


        Tendo ocorrido um ilícito civil, o agente, se sua conduta foi dolosa ou culposa, responderá integralmente pelos prejuízos causados à vítima - ou seja: a culpa e o dolo não vão influenciar no tamanho da reparação -. 

        O autor do ilícito só não responderá integralmente pelos danos causados à vítima se o acidente: a) ocorreu por culpa exclusiva da vítima ou; b) ocorreu por fato de terceiro, ou ainda; c) ocorreu devido a um caso fortuito ou a uma força maior -. As hipóteses de exclusão da responsabilidade civil serão abordadas mais detalhadamente em um futuro post.

Veja também: resolvendo uma situação fora do Judiciário 

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Responsabilidade civil II: perdas e danos

Atenção: para compreender melhor este texto, é necessário primeiro ler este aqui.


             No dia 27 de março de 2014 escrevemos o seguinte: 
            
             Quando alguém, mediante ação ou omissão, comete ato ilícito - que pode ser doloso ou culposo - e causa dano a outrem, fica obrigado a reparar o dano. Essa obrigação de reparar o dano, restabelecendo, na medida do possível, a coisa danificada ao estado que era antes - em latim, status quo ante - se chama responsabilidade civil. 

             Mas pode surgir o seguinte questionamento: afinal, quais são os danos que devem ser indenizados? É pra esclarecer esse ponto que escrevemos este post.

             Tanto o ilícito penal quanto o civil têm, como já vimos, o condão de gerar, para o autor do ato, a responsabilidade de indenizar os danos causados, desde que ele tenha agido com dolo - ou seja: com a intenção de causar o dano - ou com culpa - ou seja: o agente não teve a intenção direta de causar o dano mas agiu com imprudência, negligência ou imperícia¹ -.

             Havendo nexo causal - relação de causa e efeito - entre a ação do autor e o dano, as perdas e danos decorrentes do ato danoso devem ser restituídas ao estado que era antes. As perdas e danos abrangem o dano emergente e o lucro cessante.

             O dano emergente é o prejuízo material e/ou físico e/ou moral que a vítima efetivamente teve em decorrência do ato ilícito. O lucro cessante é o rendimento/lucro que a vítima deixará de ganhar por conta do acidente.

             Exemplificando: se, em um cruzamento, Antenor avança o sinal vermelho e colide seu carro contra a moto de Vinícius, este possivelmente terá: danos materiais (o conserto da moto), danos físicos (despesas decorrentes do acidente, tais como: internação hospitalar, honorários médicos com cirurgias corretivas, cirurgia reparadora para reduzir eventual dano estético, próteses, fisioterapia, etc) e quem sabe até danos morais. 

             Esses danos descritos no parágrafo anterior constituem o dano emergente.

             E o lucro cessante? Bem, supondo que Vinícius trabalhe como motoboy autônomo, ele evidentemente não poderá trabalhar no período em que estiver hospitalizado. Ainda que não precise de hospitalização, ele não poderá trabalhar enquanto sua moto não estiver consertada. Os rendimentos que Vinícius vai deixar de ganhar enquanto não puder retornar ao trabalho são os lucros cessantes.

¹:           A imprudência é a precipitação, ou seja: o sujeito agiu antes do momento correto, ou antes que as condições estivessem adequadas àquela espécie de ação. A negligência é a atitude em que o autor, tendo em mãos o conhecimento e as ferramentas para agir da forma adequada, executa a ação de qualquer maneira, por preguiça, desleixo ou desatenção. E a imperícia é a ação daquele que, sem ter o conhecimento técnico para fazer algo, o faz, cometendo erros e prejudicando alguém no processo.

Veja também: responsabilidade civil III: responsabilidade civil III: culpa e dolo