O escritor Miguel de Cervantes foi preso por dívida em duas ocasiões. Isso ocorreu porque, desde a Antiguidade, entendia-se que a pessoa do devedor respondia pela dívida. Os direitos do credor eram bem mais extensos do que atualmente. No direito romano, por exemplo, o credor podia tomar o devedor como escravo, vendê-lo em partes - há controvérsias quanto a esse direito -, etc.
Após o Iluminismo, a responsabilidade pela dívida saiu da pessoa do devedor e passou para o patrimônio - bens e direitos - dele. A cobrança das dívidas passou a ser realizada com a tomada, por parte do Estado, de bens do patrimônio do devedor, que, ou são vendidos em leilão sendo o produto da venda entregue ao credor, ou o próprio bem é entregue ao credor como pagamento.
Esse novo entendimento em relação à responsabilidade pela dívida trouxe como consequência a ilegalidade da prisão por dívida nas legislações da maioria dos países ocidentais. Entretanto, por longa data houve duas exceções à regra da proibição da prisão civil por dívida, que eram os casos da dívida de alimentos e o da punição do depositário infiel.
O devedor de alimentos que deixava de efetuar o pagamento de sua obrigação no prazo podia - e ainda pode - ser preso em decorrência do inadimplemento. Mas a prisão civil do depositário infiel já não é mais admitida pelos nossos tribunais.
Explicando sucintamente: depositário é a pessoa que recebe a incumbência de ter em sua guarda algum bem. Essa incumbência pode decorrer da lei, do contrato ou de uma ordem judicial e obriga o depositário a cuidar da coisa como se fosse sua. Até alguns anos atrás, se a coisa perecesse - estragasse - por culpa do depositário, considerava-se que este tinha sido infiel, o que acarretava a sua punição com a prisão.
Por exemplo: em uma ação de cobrança que já estava na fase de execução, era a feita a penhora de um automóvel, sendo o devedor/executado nomeado depositário. Sabendo que aquele carro seria levado a leilão, havia casos de devedores que deixavam o carro fora da garagem sofrendo com a ação do tempo, para que desvalorizassem a tal ponto de frustar o leilão. Até algum tempo atrás, esse devedor/depositário seria preso por não ter tido zelo com a coisa posta em sua guarda, mas atualmente tal atitude já não é mais passível de punição com a prisão civil.
Concluindo, o tratamento jurídico às partes de uma ação de cobrança está melhor para o devedor do que para o credor, fato esse que pode ser confirmado por qualquer advogado que atue em processos cíveis em fase executiva.
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