Lei Simplificada

sábado, 24 de janeiro de 2015

Os costumes estrangeiros perante a lei brasileira

Atenção: este post só apresenta alguns fatos ocorridos e menciona o tratamento que as leis brasileiras dão a tais fatos. Não se pretende fazer um juízo de valor - se está certo ou errado - aos costumes aqui mencionados. 




      A legislação brasileira tem sua vigência em todo o território nacional, e se aplica tanto a brasileiros quanto aos estrangeiros residentes - bem como aos descendentes destes -. É notório que há uma grande diversidade de etnias residindo e trabalhando no Brasil.  Porém, quando um costume estrangeiro está em desacordo com as leis brasileiras, a Justiça vai aplicar, evidentemente, as leis brasileiras. 

         Essa preferência pela aplicação da lei brasileira em detrimento do costume estrangeiro se deve ao fato de que o costume estrangeiro contrário à lei brasileira não é norma jurídica. Pelo menos não aqui. Ou seja: se um determinado costume não afronta nenhuma lei brasileira ele pode ser observado livremente. Porém, se a lei brasileira trata do assunto de forma diferente do costume estrangeiro, prevalecerá, perante a justiça do Brasil, a lei nacional. Por exemplo: a poligamia, admitida em algumas culturas, não é permitida em nosso País. 

     Se é certo que a prosperidade brasileira se deve, em parte, ao espírito empreendedor dos imigrantes, também é certo que o Brasil é soberano para criar suas próprias normas jurídicas, às quais os imigrantes devem se adaptar.  

      Um caso peculiar de costume contrário às leis brasileiras é a tradição de algumas famílias italianas de deixar a maior parte da herança dos pais para os filhos homens em detrimento das filhas mulheres. Normalmente o pai transfere os bens para os filhos em vida, mas, como não se pode fazer a transferência direta do pai para um filho sem o consentimento dos demais, ele (o pai) usa um terceiro, ou seja: A (o pai), transfere para B (o terceiro) que transfere para C (o filho).

        O negócio entre A e B é apenas uma simulação para acobertar a transferência do bem do pai para o filho. Tal negócio jurídico é nulo, ou seja: para a lei, é como se tal negócio nunca tivesse ocorrido. Se uma compra e venda, por exemplo, for declarada nula por sentença devido à ocorrência de simulação, a propriedade do bem continua a ser do dono original. 

          Explicando melhor: se Pedro fez a venda simulada de uma fazenda para Paulo que, por sua vez, fez uma venda simulada para João - filho de Pedro - e ficar demonstrado que houve simulação , o juiz determinará que o registro de imóveis faça constar na matrícula do imóvel o nome de Pedro como proprietário. Uma das formas de provar a simulação é demonstrando, no processo, que o filho não possuía recursos financeiros suficientes para adquirir a fazenda na época do negócio.

         Em um caso concreto, houve uma venda simulada dessas e a filha ajuizou uma ação pedindo a declaração de nulidade dos negócios - do pai para o terceiro e do terceiro para seu irmão -. O terceiro contestou a ação alegando que não houve simulação e arrolou como testemunha a dona Nena, uma senhora octogenária, vizinha da família da autora. 

          Durante a audiência, a testemunha - no caso, a dona Nena - olhou com o cenho franzido para o réu - que a arrolou como testemunha -, olhou para o juiz e disse: "doutor, o Fulano transferiu 100 hectares de terra para esse sujeito passar para o Ciclano e ele só passou 50 até agora". E o juiz julgou procedente a ação - ou seja: deu ganho de causa para a parte autora, neta da dona Nena -.

          
PS: Embora possa parecer jocosa, essa espécie de ocorrência - a testemunha arrolada por uma parte dando um depoimento inconveniente para quem a arrolou - é muito comum, o que faz com que muitos advogados detestem a prova testemunhal.

Veja também: o que é presunção

sábado, 3 de janeiro de 2015

Inventariando o patrimônio da pessoa falecida


         
        Quando uma pessoa morre deixando patrimônio - bens, direitos e obrigações -, é necessário fazer um levantamento dos dados referentes ao falecido - onde morava por ocasião do falecimento, se era solteiro, casado, viúvo ou divorciado, se tinha filhos, se deixou testamento, etc. - e de seus ativos e passivos. 

       Se os herdeiros e/ou os sucessores ficarem inativos após o falecimento, os bens - imóveis, veículos, aplicações financeiras, etc. - continuarão registrados no nome do falecido. Para que tais bens sejam passados para o nome dos herdeiros ou sucessores, é necessário realizar o inventário - procedimento previsto em lei para arrolar os bens, partilhá-los e entregá-los aos herdeiros -, 

          A inspiração remota para o direito sucessório vem da natureza: as abelhas vivem em média 45 dias e durante sua existência produzem mel em quantidade superior à a necessária para a própria subsistência. A maior parte do mel que produzem fica para a próxima geração de abelhas. 

      Até algum tempo atrás só se podia fazer inventário judicialmente, até que a lei 11.441/07 desburocratizou um pouco o procedimento, permitindo que o mesmo fosse realizado no tabelionato, desde que os herdeiros sejam todos capazes e estejam de acordo com a partilha. Os sucessores devem ser representados por um advogado, tanto no inventário judicial como no inventário por escritura pública.

          É interessante mencionar que, com a morte, as dívidas do de cujus também se transferem para os sucessores, que responderão pelas mesmas até os limites das forças da herança. Ou seja: se o falecido deixou R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) de ativos e R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) de passivos, restarão R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) para serem partilhados pelos herdeiros. 

          Já se a totalidade dos ativos for inferior ao total dos passivos, os credores do falecido ficarão sem receber a diferença. Então, se os ativos eram de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) e o passivo era de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), os herdeiros serão responsáveis pela dívida até o limite de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).  

      Outro aspecto importante é que o cônjuge supérstite (o marido, mulher, companheiro ou companheira que sobreviveu à morte do de cujus) também herda uma parte do patrimônio, a depender do regime de bens do casamento ou da união estável. Se o regime de bens era o da comunhão universal, o cônjuge entra no rol de herdeiros. Se o regime de bens era o da comunhão parcial, o cônjuge herda uma parte dos bens adquiridos na constância do casamento/união estável. Já se o regime de bens era o da separação total de bens, o cônjuge supérstite não entra no rol dos herdeiros.

Veja também: os costumes estrangeiros perante a lei brasileira
                       decifrando o Direito

   

sábado, 27 de dezembro de 2014

Estado de perigo

        Pedro, cujo filho estava em risco de vida e precisava urgentemente de uma cirurgia cara, decidiu vender o seu carro, cujo valor de mercado era de R$ 40.000,00. Comunicou a situação a Paulo, que se aproveitou da situação desesperadora do outro e fez uma oferta de R$ 20.000,00 pelo veículo. Como a situação de saúde de seu filho era tão grave que não podia esperar vários anos para obter a cirurgia pelo SUS, Pedro vendeu o carro por R$ 20.000,00.
       
     Ora, depois de fazer a cirurgia, Pedro pode, se o desejar, ajuizar uma ação contra Paulo requerendo ao juiz a anulação do negócio, pois, ao celebrá-lo, sua declaração de vontade estava viciada pelo estado de perigo. Ou seja: se não fosse a situação de perigo iminente - conhecida pelo outro contratante, que se aproveitou dela para obter uma vantagem excessiva com o negócio -, Pedro não venderia o seu carro, ou o venderia pelo valor de mercado. 

         Quando duas ou mais pessoas celebram um contrato, o mesmo deve preencher alguns requisitos para que seja considerado juridicamente existente, válido e eficaz. A vontade das partes deve ser manifestada livre e conscientemente, ou seja: cada contratante deve saber exatamente a que está se obrigando e não pode ser 'forçado' a contratar. 

      Algumas pressões são admitidas implicitamente pelo ordenamento jurídico - publicidade, insistência -, outras não. Conforme o Código Civil atual - em vigor desde 2003 -, ninguém pode se aproveitar de uma situação de estado de perigo para impôr a outrem um contrato que seja excessivamente vantajoso para si e excessivamente prejudicial para a outra parte. 

         Na hipótese acima, Pedro pode pedir a anulação do negócio, devolvendo o valor pago por Paulo e retomando o veículo, ou a complementação do valor do carro. Qual dessas alternativas será definida na sentença? Aí vai depender do entendimento do juiz que julgar a ação.

Veja também: a utilidade do inventário

  

sábado, 20 de dezembro de 2014

Resolvendo uma situação fora do Judiciário

          

          O Sr. Eugênio procurou o advogado Pandolfo e lhe narrou a seguinte situação: "doutor, eu moro com minha esposa e meu filho de 27 anos em uma casa de dois quartos". "Há uma semana uma garota de 13 anos, vizinha nossa, saiu da casa dos tios onde residia e pediu para ficar uns dias na nossa casa".

          "Eu não estava em casa quando ela chegou". "Minha esposa a instalou no quarto do nosso filho". "Quando cheguei em casa e vi a situação fiquei preocupado, pois, se meu filho tiver relações sexuais com ela, poderá se complicar com a Justiça, afinal, ela tem menos de 14 anos". Pra piorar a situação, eu e minha esposa ficamos fora de casa o dia todo trabalhando e o meu filho, que está de férias, passa o dia em casa. 

            "Pedi à garota que ela voltasse para a casa do tio e ela não quis ir". "Minha esposa quer que ela fique conosco para ajudar no serviço doméstico". "Temo que isso possa nos custar uma ação trabalhista futuramente, isso se nós não formos acusados de permitir que a menina fosse abusada sexualmente em nossa casa". "Expliquei tudo isso para o tio dela e pedi que ele a pegasse de volta, mas ele fez pouco caso".

       Orientado pelo advogado, o Sr. Eugênio enviou uma carta ao tio da menina através do Tabelionato de Registro de Títulos e Documentos, fixando prazo para que ele levasse a garota de volta para casa. Poucos dias depois o Sr. Eugênio telefonou para o advogado: "doutor, o Fulano levou a garota de volta pra casa no outro dia e a situação está resolvida".

        Assim como o caso narrado acima, a interpelação extrajudicial pode ser usada para muitas finalidades: cobrança de dívidas, exigência de cumprimento de contratos, exigência de pedido de desculpas ou outra atitude qualquer. Tal procedimento, logicamente, não funciona em 100% dos casos, mas, quando funciona, evita-se de ter que ajuizar uma ação judicial contra a outra pessoa, envolvendo o Poder Judiciário e fazendo as partes perderem tempo, se estressarem e gastarem com custas e honorários.

          O procedimento é simples: escreve-se uma carta e se envia a mesma através do Tabelionato de Registro de Títulos e Documentos. O teor da carta vai variar conforme a situação, mas, à guisa de sugestão, pode ser assim: 

          No alto da carta (que deve ser digitada ou datilografada), se põe o nome completo do remetente e do destinatário (De:; Para:). Abaixo deve vir o título notificação (em letra maiúscula) e então o texto. No corpo do texto, deve-se narrar a situação, a pretensão do remetente e o prazo fixado para que o destinatário tome a atitude desejada. É de bom alvitre avisar que, se o destinatário não resolver a situação no prazo, o remetente tomará as medidas judiciais cabíveis

         Há pessoas que não se importam se forem processadas, mas outras ficam em pânico diante da mera possibilidade disso acontecer. Se o destinatário da interpelação for de uma índole parecida com a desse último grupo, a medida pode surtir efeito.

Veja também: estado de perigo

sábado, 13 de dezembro de 2014

Responsabilidade civil III: culpa e dolo

Atenção: para compreender melhor o texto abaixo, é necessário ler primeiro este aqui.

Introdução  


          O ato ilícito doloso ou culposo, tanto por ação (conduta comissiva) como por omissão (conduta omissiva), gera responsabilidade. O ilícito civil só gera, a princípio, efeitos civis, ou seja: o dever de restituir a coisa lesada ao estado que era antes, enquanto que o ilícito penal gera efeitos civis, penais e, conforme o caso, administrativos - por exemplo: o funcionário público condenado por peculato pode, como consequência da condenação, ser demitido de sua função -.

Responsabilidade objetiva da pessoa jurídica


          Todo ato ilícito civil cometido por um funcionário público ou funcionário de empresa privada deve ser indenizado. Basta que a vítima demonstre a culpa do preposto ou do funcionário que provocou o dano e o Estado e/ou a empresa responderão objetivamente, ou seja: independentemente de culpa.

Responsabilidade subjetiva da pessoa física


       Já a pessoa física que comete um ato ilícito - tanto penal quanto civil - só responderá pelos efeitos jurídicos do mesmo se tiver procedido com dolo ou culpa. A diferença entre dolo e culpa é mais relevante no Direito Penal do que no Direito Civil. Com efeito, normalmente a pena prevista legalmente para o crime doloso é mais rígida do que a pena para o crime culposo

A culpa e o dolo no ilícito penal 


       No crime doloso, o agente quer provocar o dano à vítima, enquanto que, no crime culposo, o dano não é intencional e só ocorre porque o autor do crime procedeu com negligência, imprudência ou imperícia. O dolo pode ser direto ou eventual e a culpa pode ser consciente ou inconsciente.

        No dolo direto, o agente deseja o resultado danoso. Por exemplo: João, dirigindo seu automóvel, vê à sua frente André, seu desafeto, atravessando a rua. Então João acelera o veículo com a clara intenção de atropelar André. 

      No dolo eventual, o agente não deseja diretamente o resultado. Porém sabe que há a possibilidade de que sua conduta resulte em algum dano a outrem, não se importando com essa possibilidade. Por exemplo: João dirige seu veículo em uma avenida movimentada a 120 km/h. Ele não quer, a princípio, atropelar ninguém, mas sabe que isso pode acontecer e tal possibilidade lhe é indiferente.

        Na culpa consciente o agente prevê o resultado, mas espera que ele não ocorra, supondo poder evitá-lo com a sua habilidade. Por exemplo: João dirige seu veículo em alta velocidade e, sabendo da possibilidade de ocorrer um acidente, crê ter habilidade suficiente para evitar acidentes em quaisquer situações que se apresentem. 

    Na culpa inconsciente, o agente não prevê o resultado, que, entretanto, era objetiva e subjetivamente previsível. Por exemplo, o cirurgião que esquece um instrumento cirúrgico no corpo do paciente e este acaba falecendo em razão de uma hemorragia decorrente de uma perfuração causada pelo objeto. O médico que deixou de tomar o devido cuidado - negligência -, não previu o que era previsível - afinal, em toda a cirurgia invasiva é possível, em tese, esse tipo de ocorrência -, responderá por homicídio culposo.

A culpa e o dolo no ilícito civil 


        Tendo ocorrido um ilícito civil, o agente, se sua conduta foi dolosa ou culposa, responderá integralmente pelos prejuízos causados à vítima - ou seja: a culpa e o dolo não vão influenciar no tamanho da reparação -. 

        O autor do ilícito só não responderá integralmente pelos danos causados à vítima se o acidente: a) ocorreu por culpa exclusiva da vítima ou; b) ocorreu por fato de terceiro, ou ainda; c) ocorreu devido a um caso fortuito ou a uma força maior -. As hipóteses de exclusão da responsabilidade civil serão abordadas mais detalhadamente em um futuro post.

Veja também: resolvendo uma situação fora do Judiciário 

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Responsabilidade civil II: perdas e danos

Atenção: para compreender melhor este texto, é necessário primeiro ler este aqui.


             No dia 27 de março de 2014 escrevemos o seguinte: 
            
             Quando alguém, mediante ação ou omissão, comete ato ilícito - que pode ser doloso ou culposo - e causa dano a outrem, fica obrigado a reparar o dano. Essa obrigação de reparar o dano, restabelecendo, na medida do possível, a coisa danificada ao estado que era antes - em latim, status quo ante - se chama responsabilidade civil. 

             Mas pode surgir o seguinte questionamento: afinal, quais são os danos que devem ser indenizados? É pra esclarecer esse ponto que escrevemos este post.

             Tanto o ilícito penal quanto o civil têm, como já vimos, o condão de gerar, para o autor do ato, a responsabilidade de indenizar os danos causados, desde que ele tenha agido com dolo - ou seja: com a intenção de causar o dano - ou com culpa - ou seja: o agente não teve a intenção direta de causar o dano mas agiu com imprudência, negligência ou imperícia¹ -.

             Havendo nexo causal - relação de causa e efeito - entre a ação do autor e o dano, as perdas e danos decorrentes do ato danoso devem ser restituídas ao estado que era antes. As perdas e danos abrangem o dano emergente e o lucro cessante.

             O dano emergente é o prejuízo material e/ou físico e/ou moral que a vítima efetivamente teve em decorrência do ato ilícito. O lucro cessante é o rendimento/lucro que a vítima deixará de ganhar por conta do acidente.

             Exemplificando: se, em um cruzamento, Antenor avança o sinal vermelho e colide seu carro contra a moto de Vinícius, este possivelmente terá: danos materiais (o conserto da moto), danos físicos (despesas decorrentes do acidente, tais como: internação hospitalar, honorários médicos com cirurgias corretivas, cirurgia reparadora para reduzir eventual dano estético, próteses, fisioterapia, etc) e quem sabe até danos morais. 

             Esses danos descritos no parágrafo anterior constituem o dano emergente.

             E o lucro cessante? Bem, supondo que Vinícius trabalhe como motoboy autônomo, ele evidentemente não poderá trabalhar no período em que estiver hospitalizado. Ainda que não precise de hospitalização, ele não poderá trabalhar enquanto sua moto não estiver consertada. Os rendimentos que Vinícius vai deixar de ganhar enquanto não puder retornar ao trabalho são os lucros cessantes.

¹:           A imprudência é a precipitação, ou seja: o sujeito agiu antes do momento correto, ou antes que as condições estivessem adequadas àquela espécie de ação. A negligência é a atitude em que o autor, tendo em mãos o conhecimento e as ferramentas para agir da forma adequada, executa a ação de qualquer maneira, por preguiça, desleixo ou desatenção. E a imperícia é a ação daquele que, sem ter o conhecimento técnico para fazer algo, o faz, cometendo erros e prejudicando alguém no processo.

Veja também: responsabilidade civil III: responsabilidade civil III: culpa e dolo    






sábado, 29 de novembro de 2014

Os honorários advocatícios: limites


1 - Introdução

1.1 - Razões para se contratar um advogado

        
         Salvo poucas exceções - como nos pedidos de habeas corpus e em algumas causas dos juizados especiais - as pessoas em geral só podem ajuizar ações se estiverem representadas por um advogado, uma vez que este é o profissional habilitado a apresentar pedidos aos juízes e tribunais. Atuar como procurador em juízo exige uma preparação mínima - bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais e a inscrição na OAB - que não são todas as pessoas que possuem.

1.2 - O preconceito contra os advogados e as suas consequências


      As pessoas sem inscrição na OAB, quando se veem envolvidas em problemas jurídicos, passam a necessitar dos serviços dos advogados. Mas, devido ao grande preconceito que existe contra essa profissão, as pessoas resistem à ideia de pagar honorários a quem lhe representa. Alguns consideram um crime contra a humanidade 'dar dinheiro pra advogado', pois imaginam erroneamente que todos os causídicos são ricos e desonestos. Então a mesma pessoa que se sujeita a pagar dois mil reais por um IPhone que será substituído em dois anos se nega a pagar duzentos reais por uma consulta com um advogado, com o detalhe de que, às vezes, a consulta evitada 'para poupar' poderia evitar um prejuízo de milhares de reais no futuro.

1.3 - A Defensoria Pública e suas dificuldades


       Em alguns municípios existe a Defensoria Pública, que é um órgão constituído por procuradores que recebem salário do Estado para defender gratuitamente os pobres. Os defensores públicos normalmente têm milhares de processos para cuidar ao mesmo tempo e, por conta disso, ficam sem condições de prestar um serviço individualizado. Além disso, para conseguir uma ficha de atendimento, os interessados precisam chegar de madrugada à sede da Defensoria e passar por uma triagem para comprovar seu estado de hipossuficiência (pobreza). É o SUS da advocacia.  

1.4 - A busca da quadratura do círculo


         Quem não consegue passar na triagem da Defensoria Pública ou não pretende utilizar seus serviços porque quer um serviço mais atencioso - que o volume de trabalho dos defensores  públicos normalmente não permite -, procura um advogado. E então alguns clientes tentam conseguir a quadratura do círculo: querem um serviço gratuito ou muito barato e bem feito, pois, se não se importassem com a qualidade do serviço, ficariam com a Defensoria mesmo. 

         É interessante observar que os honorários representam para os advogados o mesmo que o subsídio para os magistrados, o soldo para os militares, a comissão para os vendedores e o salário para o trabalhador. Mas nada disso importa: para alguns o advogado tem que trabalhar de graça ou mediante contrato de risco porque é feio pretender a obtenção de pagamento pelo seu trabalho

2 - As diversas espécies de honorários e os seus limites


           Mas afinal, quanto o advogado pode cobrar? Existe algum limite?

          O Estatuto da Advocacia - lei 8.906/94 - dispõe que os advogados têm direito a três espécies de honorários: a) os convencionados; b) os fixados por arbitramento judicial e; c) os de sucumbência. É importante observar que o advogado nunca recebe todas essas espécies de remuneração pela mesma causa, pois os honorários arbitrais - que serão explicados logo adiante - só são pagos quando não há contrato ou sucumbência. Às vezes alguns advogados recebem honorários contratuais e sucumbenciais e às vezes apenas os contratuais ou nem isso - quando, estando o causídico atuando mediante contrato de risco, o cliente perde a ação.

         Os honorários convencionados são pagos pela parte que contratou o advogado, os honorários sucumbenciais são pagos pela parte contrária se esta perder a ação e os honorários fixados por arbitramento tem seu valor fixado pelo juiz e o seu pagamento será efetuado de acordo com cada processo - p. ex.: em um processo de falência, os honorários do síndico da massa falida serão pagos com o valor arrecadado mediante a venda dos bens da própria massa falida -. 

      No caso dos honorários convencionados, o contrato de honorários pode estipular que o contratante vai pagar uma parte da verba honorária no início do processo e mais um percentual do valor que o cliente ganhar com a causa. Ou, dependendo da negociação entre as partes, pode-se estipular que o advogado só vai ganhar um percentual sobre a vantagem, a qual evidentemente só existirá em caso de vitória na ação - o já mencionado contrato de risco. 

          A limitação ao valor dos honorários convencionados é a seguinte: o advogado não pode ter mais vantagem com a causa que o seu cliente. Exemplificando: se um advogado tem um contrato que lhe garante 50% da vantagem auferida pelo cliente em um processo e o juiz fixa 10% de verba sucumbencial, esse advogado poderá ganhar, com o processo, mais do que o seu cliente (60% a 40%, na hipótese), o que não é permitido. Em caso de sucumbência a 10%, o advogado poderia ganhar no máximo 45% da vantagem e então o cliente ficaria com 55% e o advogado 55%: 45% de honorários contratuais e 10% de honorários sucumbenciais.  

       Os honorários sucumbenciais são fixados na sentença - em valor nunca superior a 20% da condenação - e são pagos pela parte que perdeu a ação ao advogado da parte que a venceu. Esse valor é pago ao advogado porque a Lei 8.906/94 estipulou que os honorários de sucumbência pertencem ao advogado. Recentemente a juíza Federal substituta Catarina Volkart Pinto proferiu uma decisão interlocutória determinando que os honorários sucumbenciais deveriam ser pagos à parte que contratou o advogado. Há mais detalhes sobre essa decisão aqui.

        Com todo o respeito à eminente magistrada, e sem entrar em detalhes sobre a consistência de seus argumentos - já que essa espécie de discussão é mais fácil de ser compreendida por juristas do que por não juristas e iniciá-la aqui seria contrário à pretensão de simplicidade deste blog -, se esse entendimento se cristalizar isso poderá trazer duas consequências: a) poucos advogados vão querer trabalhar mediante contrato de risco, e isso levaria todos os cidadãos que não podem pagar adiantamento aos seus advogados às portas da já sobrecarregada Defensoria Pública, ou; b) os advogados que topassem trabalhar mediante contrato de risco só o aceitariam se o percentual fosse aumentado, e isso elevaria o custo dos honorários contratuais dos costumeiros 20% a 30% ou até mais.