Lei Simplificada

sábado, 4 de outubro de 2014

A imprensa e a exposição de acusados


     Prezado leitor, propomos que você faça o seguinte exercício: por um momento imagine a si mesmo no lugar do sujeito que, inocente, é acusado da prática de um crime e tem o seu rosto exposto para milhões de pessoas, não podendo mais sair na rua devido à possibilidade de ser linchado. 

        Então, caso você esteja respondendo a um processo criminal em liberdade, você não pode mais estudar, trabalhar, namorar ou simplesmente passear pela rua da tua cidade porque um diretor de um programa jornalístico precisava aumentar seus índices de audiência. Terrível isso, não é?

      Antigamente era comum nos jornais e revistas afirmações do tipo: "este homem matou X pessoas" junto à foto da pessoa acusada. Porém em alguns desses casos o acusado acabou demonstrando sua inocência no curso do processo e, por conta disso, vários jornais, revistas e emissoras de televisão foram condenados a pagar vultosas indenizações. 

        Esses prejuízos fizeram com que a linguagem utilizada pelo jornalismo responsável se alterasse para frases do tipo: "este homem é acusado de ter matado X pessoas". A distância entre dizer que Pedro matou Paulo e dizer que Pedro é acusado de ter matado Paulo é enorme e faz toda a diferença na hipótese de um processo contra o órgão de imprensa que expôs os fatos. 

       Só que infelizmente ainda há alguns órgãos de imprensa que, ávidos pela audiência, jogam a prudência às favas e não se importam com a possibilidade de que o acusado seja inocente. Após fazerem alguns cálculos - 'tal percentual de audiência vai aumentar o faturamento com anúncios em tantos milhões e então não importa que um ou outro réu nos processe e eventualmente até ganhe a ação, pois nós estaremos no lucro'. 'Basta que paguemos o departamento jurídico em dia e então podemos distribuir acusações a rodo' -. 

        Ora, exigir mais prudência na divulgação de acusados em inquéritos policiais ou ações criminais não é proteger bandidos, é deixar que a Polícia e a Justiça busquem a veracidade dos fatos sem a paixão que a pressão da exposição pública provoca.  

       O caminho entre alguém ser acusado da prática de um crime e ser considerado culpado por esse crime é longo. Vejamos: quando ocorre um fato criminoso e alguém é suspeito da autoria, a Polícia passa a investigar o cidadão, que, nesta fase, é chamado de investigado. Se entender que há elementos para o indiciamento - prova da materialidade e indícios de autoria -, o delegado indicia o sujeito, que passa a ser chamado de indiciado. O inquérito policial então vai para o Ministério Público, que o examina e, se entender que for o caso, faz a denúncia, o que transforma o indiciado em denunciado. O juiz, então, se entender que há elementos suficientes para instaurar um processo, recebe a denúncia, e a partir daí o sujeito passa a ser chamado de réu.

        A dúvida que pode surgir é: o fato de alguém ser réu em um processo criminal significa que ele é necessariamente culpado? Bem, a respeito desse assunto, o artigo 5º, inciso LVII dar Constituição Federal diz que 'ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória'. Ou seja: a Constituição dispõe que, até que haja uma sentença penal condenando o réu da qual já não caiba mais nenhum recurso, presume-se que o réu é inocente.

       Concluindo, o que o jornalismo irresponsável - felizmente minoritário - faz com a honra e a imagem dos acusados é monstruoso - especialmente pelo fato de que alguns dos acusados são inocentes -. O cidadão de bem vê os índices de criminalidade do País crescendo exponencialmente, então assiste a esses programas sensacionalistas e vê meliantes debochando da Polícia e da Justiça, o que o faz sentir um misto de desespero e impotência. Passa então a desejar um sistema judicial que condene o réu sem dar a ele o direito de se defender - o que só seria possível numa ditadura -. Mas será que se o acusado fosse ele não iria, então, preferir ter o direito a um julgamento justo? É essa indagação que propomos para a reflexão do leitor.  

Veja também: Bem impenhoravel: vai a leilão ou não?




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